A existência das ultra-especializações e a percepção da fragmentação da assistência em saúde, aliada à persistente visão fragmentária, não sistêmica, do ser humano, impuseram-nos a consciência de que o modelo vigente, tanto na enfermagem quanto na medicina, não mais satisfazia as necessidades do nosso tempo, pois a distorção dos respectivos modelos assistenciais penaliza os usuários do setor saúde, motivo suficiente para nos sugerir a investigação no sentido de encontrar novos rumos para a enfermagem e para o enfermeiro.
Além disto, desde o inicio de nossas atividades, insurgimos com ausência do emprego do método científico nos procedimentos de enfermagem, o que constatamos ser decorrência de insuficiente embasamento metodológico, isto porque as teorias de enfermagem, então existentes, sobretudo pelos seus aspectos mecanicistas, fragmentários, reducionistas, eram insatisfatórias para atender nossos ideais de ver implantada uma metodologia científica na enfermagem.
A partir dessas premissas e, baseados, principalmente, na Teoria Geral dos Sistemas, na Cibernética, na Teoria da Informação, na Ecologia, na Psicologia Gestatista, na Fisiologia (Bioquímica e Biofísica), além da utilização de conceitos, idéias, fundamentos e princípios oriundos de outros ramos do saber, além de conhecimentos específicos da área de Enfermagem, portanto em uma perspectiva multirreferencial e holística, elaboramos a Teoria Sistêmica de Enfermagem (Paim, 1974).
Além desses vários ramos do saber, que compulsamos para alicerçar nossa teoria, incluímos: Epidemiologia, Biologia, Patologia, Higiene, Nutrição, Educação, Saúde Comunitária, Filosofia, Pedagogia, Sociologia, Antropologia, Estruturalismo, Funcionalismo, Genética, Teoria da Evolução, Ética, Ciência da Administração e Dialética, particularmente, aspectos da Dialética da Natureza (Engels).
Por entendermos que o estudo do ser humano não deve ser dissociado do meio em que se insere, cujas relações os afeta mutuamente, rebatizamo-la como "Teoria Sistêmica Ecológica de Enfermagem", estratégia capaz de enfatizar a importância dos intercâmbios que se processam entre o organismo humano e o seu ambiente, as quais podem ser traduzidos e sintetizados como um sistema de “trocas de matéria, energia e informações”, aspectos que jaziam expressos em nossa teoria, através dos seus Princípios das Ações Simultâneas, de Adequação do Ambiente e de Facilitação das Trocas.
, de vez que um dos fundamentos de teoria está representado pela fusão dos conhecimentos do Sistema Humano, de sua estrutura (Anatomia e Histologia), do seu funcionamento (Fisiologia), com ênfase em todo o processo vida e na homeostasia do organismo, aliando-se os postulados da Fisiologia e da Ecologia, caracterizando, assim, como uma Fisioecologia.
Como esta teoria fora, desde o início, fundamentada, também, na Cibernética, da qual tomamos por empréstimo o seu dispositivo de “feedback” e, ao julgarmos que deveríamos explicitar esta sua característica tão marcante, resolvemos designa-la, finalmente, como Teoria Sistêmica Ecológica Cibernética de Enfermagem.
Todo sistema se relaciona com o seu entorno e, a totalidade destes relacionamentos pode ser sintetizada como um contínuo processo de trocas de matéria, energia e informações entre cada sistema e o respectivo ambiente, afetando-se reciprocamente.
È notório que, no sistema de saúde, o enfermeiro é o profissional que tem a maior participação na administração (coordenação, integração, controle e reajustes) do processo de trocas entre o ser humano e o ambiente (Princípio da Facilitação das Trocas).
Em decorrência desse Princípio, torna-se necessária e obrigatória a atuação do enfermeiro, sempre, não só sobre o homem como, também, sobre o ambiente (Princípio das Ações Simultâneas), tornando e/ou mantendo o ambiente higiênico, eugenético e agradável (Princípio de Adequação do Ambiente).
Desta visão resulta a necessidade de centrar o estudo e as ações da enfermagem, não só no organismo humano, mas também no ambiente, já que os desequilíbrios ambientais, sobretudo dos ambientes próximos como o leito, a enfermaria, o lar, os locais de trabalho, além de outros, afetam a obtenção e/ou manutenção do bem estar físico, mental e social do cliente.
. Na interface entre o corpo e o ambiente, se inclui a vestimenta, a qual pode ser considerada, praticamente, extensão do próprio corpo, cujas condições, adequadas ou não, influencia diretamente o processo de saúde ambiental, com reflexos óbvios na saúde corporal.
As condições enumeradas nos induziram à construção dos Princípios das Ações Simultâneas e de Adequação do Ambiente, da Teoria Sistêmica Ecológica Cibernética de Enfermagem, já referidos.
Diante desta percepção e, para o exercício de uma enfermagem sistêmica e ecológica, torna-se necessário amplo e perfeito conhecimento do funcionamento do organismo humano (Fisiologia) e, simultaneamente, dos fundamentos da Ecologia.
Por esta razão, adotamos o termo “Fisioecologia” (junção da Fisiologia e da Ecologia), como o cerne de nossa teoria, centrando-se o trabalho do enfermeiro, na homeostasia do sistema de trocas de matéria, energia e informações entre o ser humano e o seu ambiente, processo em que ambos se afetam, mutuamente.
Tal postura desloca a ênfase atual no estudo do corpo doente e da doença para o exame do estado hígido do organismo humano e dos desequilíbrios do seu espaço circundante (ambiente).
As condições de ambos (sistema humano e ambiental) influem na adequação ou inadequação do processo de trocas de matéria, energia e informações entre o ser humano e o ambiente.
As trocas, entre ambos, ocorrem ao longo do "continum" do processo vida, ou seja, no decurso de toda a trajetória existencial, num eixo espiralado espaço-temporal, resultando em condições de saúde ou, tornando-se geradoras de processos mórbidos.
O ambiente é percebido em sua dimensão ampliada, sistêmica: é tudo que nos cerca, o que pode ser sintetizado como constituído pela totalidade dos sistemas, de natureza física, biológica, tecnológica e social que constituem o Universo.
Abstraído o sistema considerado, neste caso o homem (o seu corpo), tudo é ambiente (o restante do universo), incluindo os outros seres humanos, os demais seres vivos, o mundo físico, os instrumentos tecnológicos e as relações sociais.
Portanto, as relações do sistema humano com o sistema ambiental (incluindo-se os outros seres humanos, situados no ambiente do homem em estudo), são, na realidade, relações de intercambio de matéria, energia e informações entre ambos, incluídas as relações de trabalho.
As condições de vida estão, assim, na dependência do equilíbrio das trocas e, afetadas pelas condições do ambiente, sendo em última análise, conseqüência da conjugação do potencial genético e da pressão ambiental sobre o código genético, esta decorrente do nível do equilíbrio ecológico (Princípio da Concorrência dos Efeitos Genéticos Ambientais).
Com fundamento na Teoria Sistêmico-ecológica-cibernética de Enfermagem, o enfermeiro buscará sempre promover, preservar ou restaurar o equilíbrio do organismo (homeostasia), para o que necessita atuar, a um só tempo, sobre o meio interno e sobre o meio externo (ambiente).
Essencialmente, todos os sistemas auto-organizadores como os organismos vivos e os ecossistemas naturais são possuidores de mecanismos de auto-regulação ou controle automático, constituindo sistemas cibernéticos ou homeostáticos, atuando através do mecanismo de "feedback" negativo, podendo (os ecossistemas naturais), ser considerados como sistemas “vivos”, como é o caso do próprio Planeta Terra que, nesta ótica, é designado “GAIA” (terra viva).
O corpo humano dispõe de sistemas de controle automáticos (auto-reguladores), os quais são constituídos de milhares de dispositivos, que funcionam de maneira inter-relacionada, articulada e automática, isto é, sistêmica e ciberneticamente, destinados a manter o seu equilíbrio, apesar da variabilidade do ambiente, neutralizando as distorções dos aportes de matéria, energia e informações, em busca incessante do equilíbrio, da homeostasia (constância de composição), de modo que os desvios dessas condições sejam apenas transitórios e não se tornem persistentes ou patológicos, mas assegurando a manutenção do estado fisiológico, de higidez ou de saúde.
Para consubstanciar nossos trabalhos, levamos em consideração todo o processo evolutivo (historicidade) da política de saúde do país, a partir da proposta de Ações Integradas de Saúde e a estratégia de Integração docente-assistencial, até alcançar a quase utopia do Sistema Único de Saúde, preconizado pela própria Constituição da República.
Entretanto, as práticas prevalentes entre nós, acham-se totalmente dissociadas de um discurso bem articulado, tanto que até mesmo no bojo de Planos de Saúde do País e dos Estados consta a avaliação de que o modelo de saúde atual é verdadeiramente caótico, iníquo e perverso.
Estudos que realizamos, das condições em que deveriam ser efetuadas as ações de saúde e, no caráter preditivo da teoria proposta, constituíram base suficiente para afirmarmos, em nossas publicações anteriores que, se não forem alavancadas mudanças drásticas no modelo assistencial em curso, o Sistema Único de Saúde terá, certamente, o mesmo destino de todas as propostas anteriores.
Estas propostas, alentadoras e louvadas "em prosa e verso", ao seu tempo, que tiveram resultados nada significativos, conduzindo-nos à situação atual, muito deteriorada em relação àquelas, então reinantes.
Consoante a Teoria Sistêmica Ecológica Cibernética e o Processo Sistêmico Cibernético de Assistência de Enfermagem, o enfermeiro opera, fundamentado no próprio modelo de funcionamento do organismo humano e dos ecossistemas naturais, uma vez que tanto a Teoria como o Processo foram inspirados nos mecanismos de auto-organizacão e de auto-regulação dos organismos vivos (homeostasia) e dos sistemas ambientais (equilíbrio ecológico).
Para que este modelo seja aplicado, deve o enfermeiro ser atento e vigilante, a fim de atuar prontamente, assegurando, a todo instante, o maior nível de equilíbrio permissível pelo potencial genético de cada cliente e, pela história, circunstâncias presentes, além das potencialidades, das ações ambientais sobre o mesmo.
Estas condições são traduzidas pelo Princípio Genético-Ambiental, pelo Princípio da Pressão Ambiental sobre o Código Genético e, Princípio Genético-Ambiental (Histórico-Instantâneo-Futuro), centrando-se sempre, na manutenção do equilíbrio do organismo, na prevenção dos seus desequilíbrios e, nos esforços para a reversão destes.
É fundamental que, nesta fase de transição rumo a uma enfermagem verdadeiramente científica, a execução dos cuidados de enfermagem, seja efetivada mediante o emprego do método científico, de teorias, do processo de enfermagem, de princípios científicos, da técnica, das destrezas e habilidades, incluindo a utilização de todos os demais instrumentos.
Na enfermagem sistêmica, o cliente deve ser visualizado em seus aspectos de abrangência, totalidade, integração e síntese e não, apenas em suas características analíticas, fragmentárias ou reducionistas.
Na enfermagem ecológica, as ações e os cuidados do enfermeiro são direcionados, concomitantemente, para o espaço corporal (intracorpóreo ou intra-pele) do ser humano e, para o seu entorno (espaço extracorpóreo) ou ambiente em que está inserido, incluindo seus limites, que designamos “barreiras”, cujo objetivo é efetuar a identificação, em ambos, dos estados de homeostasia ou de seus desvios desta, os quais expressam a resultante das ações conflitantes (dialéticas) entre os mecanismos entrópicos e negentrópicos”, atuantes sobre o organismo humano.
Na enfermagem cibernética, enfatiza-se a participação dos mecanismos de “feedback”, existentes no organismo humano, capazes de reajustar, continuamente, as condições internas do organismo no sentido de manter a estrutura do organismo e a sua constância de composição (homeostasia), além de buscar incessantemente, as condições de equilíbrio com o meio circundante.
Na enfermagem sistêmica-ecológica-cibernética avulta-se o componente informacional (Teoria da Informação), pois a transmissão das informações é ubíqua em todas as etapas do processo vida, iniciando-se desde a origem da vida (surgimento do DNA), aspecto essencial no decurso de todo o processo evolutivo biológico, prosseguindo na transmissão de informações genéticas (propagação de características genéticas inter-gerações), bem como nas transmissões de informações intrassistêmicas (informações que se processam no interior do organismo (no âmbito celular, inter-células, inter-órgãos, inter-aparelhos e intersistemas) para alcançar todas as trocas de informações entre o organismo e o seu entorno.
Para que o organismo humano execute o seu papel, programado pelo código genético, é necessário, em primeiro lugar, não atrapalhá-lo e, depois, ajudá-lo, na sua concretização.
Nesta ótica, se prioriza a saúde em relação à doença, ao se entender a saúde como um estado de equilíbrio contínuo e permanente do processo de trocas de matéria, energia e informações entre o sistema humano e seu ambiente.
Por sua vez, a doença é considerada como desvio do equilíbrio desse processo (uma intercorrência ao longo do processo Vida), em relação que no âmbito da enfermagem, compete ao enfermeiro contribuir para promover, preservar ou restaurar a homeostasia do organismo humano e o equilíbrio de seu ambiente próximo, para que as relações de trocas entre um e outro se efetuem adequadamente.
A contribuição do Enfermeiro, nesse sentido, se realiza através dos Cuidados de Enfermagem, consistindo no planejamento, organização, coordenação, integração, controle, avaliação e reajuste ou (“feedback”) das referidas trocas de “matéria, energia e informações” entre o homem e o seu ambiente, o que constitui o Processo de Enfermagem, sintetizado pelo Princípio de Administração das Trocas.
O Princípio de Administração das Trocas, da Teoria Sistêmica, Ecológica e Cibernética de Enfermagem se refere à detecção das necessidades, ao planejamento, à execução, á avaliação, à regulação e aos reajustes (“feedback”), em síntese, busca a otimização dos intercâmbios que se realizam entre o cliente e o seu entorno, enfim, trata de todas as etapas do Processo de Enfermagem.
Este Processo tem como etapa importante a detecção das necessidades das trocas de “matéria, energia e informações” entre o cliente e o meio (Diagnóstico de Enfermagem) de que resultam as determinações ou ordens - as Prescrições de Enfermagem.
Com base nas Prescrições, se efetuam os intercâmbios (Terapêutica de Enfermagem), entre o cliente e o meio.
As Prescrições e a Terapêutica serão, constantemente, avaliadas e reajustadas, através das etapas de Avaliação (Controle de Qualidade) do produto final do sistema de enfermagem (a assistência respectiva), com base na qual se reajusta, através da etapa de Retroação, Retroalimentação ou “feedback”, tanto a assistência como o próprio sistema de enfermagem, como um todo.
Além dos cuidados específicos sobre o corpo do cliente (sistema humano), se torna imprescindível que as ações de enfermagem se orientem, também, no sentido de ajustar o meio (sistema ambiental) próximo, em que se insere o cliente, às condições peculiares de que trata o (Princípio de Adequação de Ambiente).
Nos cuidados prestados, segundo a enfermagem sistêmica, ecológica e cibernética, tem importância definida: a consciência, a presença, o olhar, a fala, as mãos, os gestos, o toque e outros meios de expressão corporal, a utilização dos diversos sistemas de linguagem e de trocas de informações (processo comunicativo).
Todos estes aspectos têm repercussões relevantes nas ações do enfermeiro, o qual, através da administração (coordenação, integração e controle) do processo de trocas de matéria, energia e informações entre o homem e o ambiente, objetiva promover, preservar ou restaurar a homeostasia do organismo humano e o equilíbrio de seu ambiente próximo, para que as relações de trocas entre um e outro se efetuem adequadamente, ou seja, contribuam para a homeostasia do organismo, como um todo.
É através da visão, aqui expressa, que se desenvolvem os capítulos seguintes, deste livro.
(Do Livro: Paim, Rosalda C. N - Teoria Sistêmico Ecológica - Uma Visão Holística da Enfermagem - Lambari - 2a. Edição - Informática Editoração - Ano 2000 - 234 p.)
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1 Comentários:
Boa tarde! Gostaria de usar o livro para embasar meu trabalho de conclusão de residência em enfermagem oncológica, que estou realizando no HCE-RJ. No entanto, não consigo achar o exemplar na internet, nem para comprar nem para baixar. Poderia me ajudar?
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